Aplicativos e a Precarização: reflexões sobre a possibilidade de atuação da comunidade tech
Recentemente, tenho refletido sobre como posso contribuir mais efetivamente com os trabalhadores de aplicativos a combater a crescente precarização do trabalho, frequentemente associado à chamada “indústria 4.0” ou “capitalismo de plataforma”. Observando movimentos grandes como MST e MTST, me questionei: por que não existe um movimento social semelhante para os trabalhadores de aplicativos?
Mergulhei no estudo dos movimentos sociais e descobri que não há uma definição amplamente aceita. Durante minha pesquisa, deparei-me com os trabalhos do professor Nildo Viana, da Universidade Federal de Goiás, cujas definições me pareceram esclarecedoras.
O que é um Movimento Social?
Segundo Viana (2015), movimentos sociais são mobilizações (ações coletivas) originadas de grupos sociais específicos em resposta a situações que geram insatisfação. Estes movimentos podem levar à formação de ideologias, teorias, organizações formais e informais, entre outros. Central para a existência de um movimento social é a presença de grupos sociais.
Grupos Sociais: Conjuntos de indivíduos com características ou objetivos comuns, que podem variar desde culturais até demandas políticas.
Eles podem ser categorizados por:
- Corporeidade: como movimentos negros, feministas.
- Situação: como movimentos estudantis, de moradia e de trabalhadores de aplicativos.
- Cultura: como movimentos pacifistas e ecologistas.
Viana (2015) destaca que a existência de um movimento social requer quatro elementos complementares:
- Insatisfação social
- Senso de pertencimento
- Mobilização
- Objetivo claro
Organizações como MST e MTST são derivadas dos movimentos sociais, agindo como agentes mobilizadores. Elas não são, por si só, o movimento social.
Movimento dos Trabalhadores por Aplicativo
Com base nessas definições, reconheço a existência de um movimento emergente entre entregadores. Grupos como Entregadores Antifascistas e AMABR estão na vanguarda deste movimento. Pergunto-me se há espaço para expandir este movimento, incluindo grupos como motoristas de aplicativos e outros profissionais que operam através de plataformas digitais, ampliando assim o poder de mobilização.
Como nós, da area de Tecnologia, podemos contribuir?
Vejo os profissionais de tecnologia como o que Viana denomina “Alóctones” – aqueles que podem não pertencer diretamente ao grupo afetado, mas podem apoiar a causa. Embora a liderança e direção do movimento sempre devam vir daqueles diretamente afetados, há várias maneiras de nós, da tecnologia, contribuirmos:
Desenvolvimento de Software: Iniciativas como a do AppJusto mostram o poder transformador da tecnologia. Ao criar plataformas de entrega mais justas, estamos proporcionando alternativas viáveis e éticas para entregadores e restaurantes. Ao apoiar tais iniciativas através de contribuições de código ou financiamento, estamos engrossando as fileiras para combater a precarização.
Educação e Treinamento: A capacitação é uma ferramenta poderosa. Oferecer treinamento em áreas como desenvolvimento, design, redes, segurança e manutenção pode abrir novas portas para trabalhadores de aplicativos e suas famílias, proporcionando-lhes mais oportunidades e uma melhor qualidade de vida.
Dedicando Tempo e Esforço: Participar de debates, encontros e protestos; estudar as questões sociais subjacentes; e promover a conscientização em nossas próprias redes são formas valiosas de apoio. O “hackerativismo”, que combina habilidades técnicas com ativismo, é uma área com potencial de impacto grande para as pessoas de tecnologia explorarem e usarem em benefício dos movimentos sociais. hu
Em um momento em que as plataformas estão dominando o mercado, é fundamental que nós, profissionais de tecnologia, reconheçamos nosso papel e responsabilidade. O desenvolvimento de software desempenha um papel importante na transformação dessas novas formas de trabalho, e, portanto, temos a responsabilidade de garantir que a tecnologia também sirva aos interesses dos trabalhadores.
É importante que os desenvolvedores se identifiquem como parte da classe trabalhadora e se unam aos trabalhadores que atualmente enfrentam condições precárias. O impacto da tecnologia na precarização do trabalho não é limitado apenas aos trabalhadores de aplicativos; é uma tendência que, cedo ou tarde, afetará todas as categorias profissionais, especialmente com o avanço das inteligências artificiais generativas.
Os trabalhadores de aplicativos estão lutando por justiça e direitos em um mundo em rápida transformação, e essa precarização eventualmente alcançará também os profissionais de tecnologia. Muitos terceirizados já enfrentam essa realidade, e é provável que essa situação piore com a crescente ascensão da IA generativa.
Ao apoiar as lutas dos trabalhadores e contribuir com nossas habilidades e recursos, não apenas estamos ajudando-os, mas também estamos trabalhando na construção de uma sociedade mais justa, inclusive para nós mesmos. O futuro da tecnologia e do trabalho está interligado, e é nosso dever assegurar que esse futuro seja construído com responsabilidade, aumentando as oportunidades e justiça para todos.