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Eleições municipais e o afastamento dos trabalhadores com a esquerda

Durante uma viagem de táxi logo após o primeiro turno das eleições municipais de 2024, tive uma conversa sobre política com o motorista. Algo me chamou bastante atenção. Não foi um caso isolado — já havia notado situações semelhantes antes —, mas dessa vez ficou mais evidente. O taxista não era uma pessoa reacionária nem tinha convicções ideológicas de direita, mas votou no Marçal e já decidiu que votará no Ricardo Nunes no segundo turno. “PSOL e PT, não dá”, ele afirmou.

Ao longo da conversa, ele concordava com tudo o que eu dizia sobre a elite financeira ser um problema, o agronegócio e os grandes empresários corromperem o Congresso, entre outras questões estruturais. No entanto, escolheu votar no Marçal. Isso despertou minha curiosidade, e eu perguntei o porquê.

Ele respondeu: "Votei no Marçal porque ele ia entrar e tocar o terror, expor todas as falcatruas." Sabemos que Marçal não é realmente anti-sistema, mas ele soube vender essa imagem, e ela colou. Enquanto isso, Boulos se apresentou como moderado, alguém disposto a manter a estabilidade das instituições — instituições que, na visão do povo, já não têm mais credibilidade, mesmo que não consigam nomear claramente essa desconfiança.

Outro ponto da conversa que me marcou foi quando ele compartilhou um pouco da sua trajetória de vida. Ele contou que, alguns anos atrás, quebrou financeiramente e chegou a vender balas na rua para sobreviver. E, enquanto estava “ralando no sol quente”, sentia indignação com o Bolsa Família, por ver moradores de rua recebendo auxílio sem trabalhar. Naquele momento, duas coisas vieram à minha mente.

Primeiro, percebi como o pensamento neoliberal penetrou fundo, até na visão de alguém prejudicado justamente por essa hegemonia econômica das últimas décadas. Segundo, notei o ressentimento latente: ele pensava “eu preciso me matar de trabalhar, enquanto outros recebem de graça.” Faltava uma perspectiva diferente: ele não enxergava que, ao invés de se indignar com quem recebe auxílio, ele poderia reivindicar condições melhores para si. Na cabeça dele, o sofrimento que vivia era "normal", e a assistência aos mais vulneráveis parecia um absurdo.

Tentei abordar a questão de forma mais empática. Expliquei que a situação de rua é um problema complexo, envolvendo muitas camadas, e que a vida dessas pessoas é extremamente precária — ninguém, em sã consciência, escolheria viver assim. Ele, então, mencionou que uma passageira lhe havia dito que o país gasta bilhões com “essas pessoas desocupadas”. Não lembro o valor exato que ele citou, mas aproveitei para questionar se ele sabia quanto o agronegócio recebe em benefícios fiscais, ou o quanto o país deixa de arrecadar com impostos sobre grandes fortunas, enquanto ele, como cidadão comum, paga caro pela gasolina.

Fui trazendo esses argumentos de maneira racional, sem tom moralista, e ele concordava. Senti que, se eu tivesse reagido de forma combativa no momento em que ele criticou os moradores de rua, a conversa teria se encerrado ali. Mas ao tentar entender de onde vinham suas ideias, consegui mostrar outros ângulos e apontar quem são os verdadeiros responsáveis pelos problemas do país. É claro que não mudei seu voto para Boulos nos 15 minutos que tivemos, mas ele disse ter gostado muito da conversa e concordado comigo sobre o papel nocivo da elite financeira. E eu, por minha vez, aprendi bastante sobre como figuras como Pablo Marçal conseguem atrair o apoio dos trabalhadores.

Esse diálogo me fez refletir sobre a necessidade urgente de a esquerda se reconectar com os trabalhadores e abandonar discursos moralistas. Lembrei de uma fala de um debatedor influente nas esquerdas que defendia evitar o diálogo com conservadores, sugerindo que bastava virar as costas e sair. Se agirmos assim, só acumularemos derrotas. As pessoas não são "ruins" por votarem em alguém como Marçal — elas estão em busca de mudança, e é a esquerda que precisa voltar a ser a voz dessa mudança.