O Privilegio Da Servidão
Recentemente, em uma conversa com amigos sobre a precarização do trabalho, discutimos o papel crescente das plataformas digitais. Um episódio relatado por uma amiga chamou minha atenção: ela havia contratado uma manicure através de um aplicativo e a profissional expressou sua gratidão pela plataforma, apesar dos ganhos insatisfatórios. Desempregada, o aplicativo lhe ofereceu um meio de obter alguma renda, mesmo que limitada.
Foi então que me recordei do conceito abordado por Ricardo Antunes em seu livro “O privilégio da servidão”. Diante das adversidades da atual conjuntura de desemprego e dificuldades econômicas, muitos trabalhadores sentem-se “privilegiados” por terem a oportunidade de servir, mesmo sob condições precárias, porque a alternativa seria enfrentar a fome.
Pesquisas indicam que essa realidade está se intensificando. Um estudo britânico previu que até 2025, um terço dos empregos serão intermediados por plataformas digitais – e esta estimativa foi feita antes da pandemia, que possivelmente acelerou essa tendência.
A Precarização Disfarçada
Embora muitas destas plataformas se vendam como uma oportunidade de renda complementar dentro da “Gig Economy” (Economia dos Bicos), para muitos, ela representa a principal fonte de sustento. A informalidade intrínseca a essa relação de trabalho expõe os profissionais a inseguranças e jornadas exaustivas para garantir um salário decente. Alguns aplicativos sugerem ganhos mensais significativos, mas omitindo despesas e períodos de espera entre os trabalhos.
O Risco nas Costas do Trabalhador
A “plataformização” do trabalho, além de precarizar, transfere quase todos os riscos ao trabalhador. Direitos assegurados pela CLT são inexistentes nessa modalidade. Usando os entregadores como exemplo, eles precisam adquirir e manter seus veículos, arcar com combustível e, em caso de acidentes, não apenas arcam com os custos, como também podem perder sua fonte de renda.
O Caminho para a Regulamentação
Embora ainda estejamos distantes de uma regulamentação adequada, devido ao forte lobby das plataformas, iniciativas como o AppJusto e o fomento ao cooperativismo de plataforma são luzes no fim do túnel, buscando melhores condições de trabalho para esses profissionais.
Para que os trabalhadores não sejam gratos pela servidão, é fundamental um processo de conscientização que se contraponha a ideologia hegemônica que funda o pensamento neoliberal em que o indivíduo seria o único responsável pela sua realidade social e econômica. A verdadeira arma contra a exploração e a precarização é a organização. É imprescindível serem intransigentes nas exigências de seus direitos, condição unicamente possível atravéz de uma mobilização popular. A história nos mostra que direitos não são gentilmente concedidos; eles são conquistados com muita luta articulada. Essa mobilização e organização pode se dar através de sindicatos, coletivos ou outras formas de associação, para que possam lutar coletivamente por condições mais justas e dignas a partir da tomada de consciência de classe.