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O Sonho do Empreendedorismo como Ferramenta para o Predomínio das Privatizações no Brasil

Desde o início dos anos 90 o Brasil tem vivido uma onda de privatizações que alterou a estrutura econômica e social do país. Historicamente, a industrialização brasileira foi impulsionada por um forte investimento público, principalmente porque a elite financeira do país sempre foi parasitária, escravagista, rentista e servil aos interesses imperialistas. Durante o governo de Getúlio Vargas e também na ditadura militar, foram criadas inúmeras estatais, com o governo assumindo todo o risco para desenvolver novos mercados.

Contudo, com o avanço do pensamento neoliberal, vimos uma avalanche de privatizações, marcada pela crescente financeirização da economia. Privatizar empresas robustas e de grande importância estratégica passou a ser visto como um ato de responsabilidade. O ponto de vista da elite financeira é fácil entender: adquirir negócios consolidados, na maioria das vezes abaixo do preço de mercado, onde todo o risco já foi absorvido pelo governo ao longo de décadas, utilizando ainda financiamentos públicos a juros mais baixos do que os oferecidos ao resto da população, é uma proposta irresistível. O que sempre me intrigou, no entanto, é por que trabalhadores, que não ganham nada com essas privatizações e ainda vêem os serviços públicos encarecerem, continuam a defendê-las.

Empresas públicas costumam oferecer melhores condições de trabalho, com salários mais altos, melhores benefícios e aposentadorias, além da estabilidade que traz segurança e saúde mental aos trabalhadores. Além disso, os lucros dessas empresas podem ser reinvestidos em benefícios para a sociedade. Já as empresas privatizadas tendem a explorar seus empregados ao máximo, oferecendo o mínimo de benefícios, reprimindo trabalhadores que lutam por melhorias e focando exclusivamente na geração de lucros para os investidores, pagando o mínimo possível aos seus funcionários.

Um exemplo claro é o caso da Eletrobrás, cujo conselho votou pela privatização e, em seguida, aumentou seus próprios rendimentos em dez vezes, enquanto demitiu e terceirizou um grande número de trabalhadores. Essa privatização nada mais é do que mais uma ferramenta de concentração de renda.

Por que os pobres defendem os interesses dos ricos?

Vejo que o neoliberalismo teve sucesso ao fazer as pessoas acreditarem que um dia elas se tornarão ricas, levando-as a defender os privilégios da elite, na esperança de um dia desfrutarem desses mesmos privilégios. No entanto, muitas não percebem que estão sendo manipuladas e que, ao defenderem os interesses dos ricos, estão contribuindo para o seu próprio sofrimento.

Essa ilusão parece ter se intensificado com o crescimento das redes sociais, onde estilos de vida de luxo são apresentados como a única forma legítima de felicidade. O aumento exponencial das marcas de luxo, evidenciado pela presença constante de Bernard Arnault, dono do conglomerado LVMH (dona de marcas como Louis Vuitton), no topo da lista dos mais ricos do mundo, indica que essas marcas estão atraindo não apenas a elite, mas também uma classe média aspiracional que deseja parecer parte dessa elite, já que não cresceriam tanto somente com um mercado de 0,1% da população.

A ideologia neoliberal se disseminou tão rapidamente na última década que, hoje, vemos trabalhadores precarizados defendendo as próprias empresas que os exploram. Isso se dá porque foram convencidos de que são "autônomos" e "empreendedores". Essa mentalidade fica clara quando observamos músicas populares entre as classes mais exploradas que tradicionalmente eram manifestações de protesto, que hoje "rejeitam" a CLT e exaltam uma ostentação vazia e materialista.

Os Impactos Sociais de uma Visão Deturpada de Sucesso

Essa visão distorcida de sucesso tem gerado problemas sociais graves. As redes sociais fazem com que as pessoas se comparem com influenciadores que mostram uma vida de mentira, levando a frustrações por não se alcançar o estilo de vida idealizado e inalcançável. Isso pode causar problemas de saúde mental e me pergunto se a crescente violência também pode ser vista como uma tentativa de acessar o consumo e o estilo de vida que foram tão exaustivamente vendidos como sinônimo de felicidade e sucesso.

O Desafio de Reverter esse Cenário

A tarefa de reverter esse cenário definitivamente não é fácil. Enfrentamos uma mídia dominada por interesses da elite financeira, redes sociais que manipulam desejos e impulsionam o consumo, instituições religiosas que pacificam a sociedade com promessas de recompensas no além, e uma indústria de coaching que promete riqueza fácil, mas muitas vezes leva a mais frustração.

A disparidade de forças é impressionante, perfis que promovem esse estilo de vida alcançam milhões de pessoas, ganham fortunas e são ainda mais impulsionadas pelos algoritmos. Enquanto quem está lutando contra essa corrente, se chega na casa de dezenas de milhares de seguidores e consegue pagar minimamente as contas já é uma exceção.

Definitivamente, a esquerda precisa se reorganizar, focar em ações efetivas em vez de se preocupar apenas com a construção de uma imagem de progressista, limpinha e descolada. Para criar um verdadeiro contraponto, é necessário alcançar paridade de forças nessa batalha. É hora de abandonar a postura conciliatória de uma esquerda que se submete ao capital financeiro para manter-se no poder e, em vez disso, adotar uma postura mais ativa e combativa. Precisamos de uma esquerda que não apenas paute o debate, mas que também contra-ataque com mais força e radicalidade aos avanços da direita.