5 min read

Relatorio Fairwork Brasil 2023

No dia 25 de Julho de 2023, fui a um debate sobre a precarização do trabalho através de plataformas digitais, a chamada gig economy, lá também foi divulgado o relatório Relatório Fairwork Brasil 2023.

O debate envolveu acadêmicos de universidades brasileiras e estrangeiras, representantes da Digilabour além de representantes de organizações de trabalhadores como Señoritas Courier e AMABR.

O que é Fairwork?

O universo do trabalho está em rápida transformação devido a avanços tecnológicos, como plataformas de trabalho digital e inteligência artificial. Enquanto essas tecnologias oferecem novas oportunidades de emprego e potencializam a produtividade, elas também podem colocar trabalhadores em situações de baixa remuneração, instabilidade e condições de trabalho perigosas.

O termo “fairwork” pode ser traduzido livremente como “trabalho justo”. O projeto Fairwork nasceu com a missão de identificar e evidenciar os usos mais acertados e os mais problemáticos das tecnologias no cenário laboral. Através de estudos focados em plataformas de trabalho digital e inteligência artificial, ela visa garantir um futuro do trabalho seja composto por empregos mais justos e melhores.

Para atingir essa meta, o Fairwork avalia plataformas e empregadores com base em critérios de justiça. A iniciativa é liderada pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Center, e envolve colaboração estreita com trabalhadores, plataformas, defensores dos direitos dos trabalhadores e formuladores de políticas.

Sobre o relatório

O segundo relatório da Fairwork Brasil avalia a relação das maiores plataformas digitais de trabalho do Brasil com os princípios de trabalho decente da Fairwork. A “plataformização” do trabalho é um tema crescente no país, envolvendo debates entre políticos, sindicatos, trabalhadores e empresas. Com mudanças na economia de plataformas, como a compra da iFood por uma empresa estrangeira, muitos trabalhadores enfrentam condições ainda mais precárias.

Contexto Político A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva levou à formação de um grupo para discutir a regulação do trabalho em plataformas, com representantes de empresas, trabalhadores e governo. Contudo, o ano foi marcado por lobbies intensos das plataformas, inclusive com acusações de criação de perfis falsos de trabalhadores para atos antissindicais.

Avaliação das Plataformas Dez plataformas foram avaliadas segundo os princípios da Fairwork: remuneração, condições, contrato, gestão e representação. Apenas três plataformas pontuaram: AppJusto (3 pontos), iFood (2 pontos) e Parafuzo (1 ponto). O relatório sugere uma necessidade urgente de melhorias no setor de plataformas digitais no Brasil, com foco em condições mais justas e transparentes para os trabalhadores.

Princípios de trabalho decente, segundo a Fairwork

O projeto Fairwork, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, estabeleceu cinco princípios fundamentais para avaliar as condições de trabalho nas plataformas digitais. Esses princípios foram adaptados ao contexto brasileiro após consultas com vários grupos interessados.

  1. Remuneração Justa: Os trabalhadores devem receber uma renda decente, levando em conta os custos associados ao trabalho e os padrões salariais locais.
  2. Condições Justas: As plataformas devem garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores.
  3. Contratos Justos: Os termos do contrato devem ser claros, legíveis e seguir a legislação local.
  4. Gestão Justa: As decisões que afetam os trabalhadores devem ser transparentes, com um canal de comunicação e recurso disponível para os trabalhadores.
  5. Fair Representation: Os trabalhadores devem ter uma voz na plataforma e o direito de se organizar.

Metodologia do Fairwork: O projeto usa uma abordagem tripla para avaliar as plataformas:

  • Pesquisa documental: Avalia contratos, termos, políticas e funcionalidades das plataformas e busca informações relevantes.
  • Reuniões com Gestores das Plataformas: Estas reuniões visam coletar evidências e entender melhor o funcionamento das plataformas.
  • Entrevistas com Trabalhadores: O projeto entrevista trabalhadores das plataformas para compreender suas experiências. Foram realizadas 96 entrevistas em 38 cidades brasileiras.

Pontuação: Cada princípio é avaliado em dois pontos, totalizando uma pontuação máxima de 10 por plataforma. A pontuação é baseada em evidências coletadas e é revisada por uma equipe de especialistas. As plataformas também têm a chance de revisar e responder às pontuações iniciais antes da pontuação final ser publicada nos relatórios anuais do Fairwork.

Mudanças e Permanências na Economia de Plataformas no Brasil

O Brasil enfrenta desafios relacionados à economia de plataformas, sobretudo quando se refere à qualidade do trabalho e dos vínculos empregatícios. Atualmente, os números sobre trabalhadores em plataformas digitais ainda não são precisos, mas estima-se que haja cerca de 1,5 milhão de entregadores e motoristas. Com 9,4 milhões de desempregados e 3,9 milhões de desalentados, a força de trabalho aceita condições precárias e, em muitos casos, se sentem privilegiadas por ter alguma renda.

As políticas públicas do governo federal de 2019 a 2022 não apoiaram adequadamente esses trabalhadores, enquanto o governo Lula atual propõe um aumento nos recursos destinados a essa faixa da população. No entanto, houve um período entre 2002 e 2014 em que 20,9 milhões de postos de trabalho foram criados devido à ação efetiva de políticas públicas. A mudança política após 2016, incluindo o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e as gestões dos presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro, trouxe desregulamentações e desestruturações nas relações de trabalho.

O cotidiano dos trabalhadores de plataformas é marcado por longas horas, remuneração abaixo do mínimo, falta de seguridade social e alto risco de acidentes. Em contraste, muitas empresas de plataforma, como Uber, iFood e GetNinjas, mostraram resultados financeiros robustos. No entanto, o grupo Americanas, proprietária do app Americanas Entrega Flash, entrou em recuperação judicial em 2023, enquanto a AppJusto, criada como alternativa às práticas de plataformas tradicionais, conseguiu financiamento atravez de crowdfunding.

O panorama para empresas-plataformas é positivo, mas é crucial implementar normas para garantir condições decentes de trabalho para seus colaboradores, aqueles que essas plataformas gostam de chamar de parceiros empreendedores. O projeto Fairwork tem pressionado as plataformas neste sentido.

Regulação do Trabalho por Plataformas no Brasil: Resumo

  1. Contexto Jurídico: No Brasil, a situação legal dos trabalhadores de plataformas digitais é incerta. Esses trabalhadores são classificados pelas empresas como autônomos, sem direitos trabalhistas específicos, levando muitos a buscar reconhecimento de direitos na Justiça do Trabalho.
  2. Decisões Judiciais: A Justiça do Trabalho apresenta decisões variadas sobre o tema, com algumas turmas do Tribunal Superior do Trabalho reconhecendo direitos trabalhistas para esses profissionais e outras negando.
  3. Pandemia e Legislação: Em janeiro de 2022, uma lei foi aprovada para proteger entregadores de plataformas digitais contra a Covid-19. No entanto, foi criticada pela demora em sua aprovação.
  4. Propostas de Regulação: Há diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que visam regularizar essa modalidade de trabalho. Durante a campanha presidencial de 2022, o presidente Lula propôs regularizar as relações de trabalho mediadas por plataformas digitais.
  5. Ações do Governo em 2023: O Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, priorizou a regulação do trabalho por plataformas. Em maio, o presidente criou um Grupo de Trabalho para discutir a regulação desse tipo de trabalho, com previsão de apresentar resultados em 150 dias.
  6. Contribuição Acadêmica: Foi criado um Fórum de pesquisadores em janeiro de 2023 para contribuir com a discussão. O grupo publicou um manifesto propondo o reconhecimento dos trabalhadores de plataformas como empregados.
  7. Desafios Futuros: Mesmo com a possibilidade de uma proposta de proteção aos trabalhadores, a resistência das empresas e a postura conservadora do Congresso Nacional representam grandes obstáculos. Além disso, o poderoso lobby das empresas de plataformas digitais e as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal influenciam o cenário e tornam a garantia de direitos trabalhistas para esses profissionais uma tarefa complexa.

O tema da regulação do trabalho em plataformas digitais no Brasil é marcado por disputas legais, esforços governamentais e acadêmicos, e desafios impostos pelo lobby empresarial e decisões judiciais.

Pontuações Fairwork Brasil 2023

Para obter mais detalhes sobre a pontuação atribuída a cada plataforma e compreender mais a fundo os critérios utilizados, faça o download do relatório Relatório Fairwork Brasil 2023.

Ao analisarmos os dados, fica evidente a necessidade urgente de avançarmos na direção de proporcionar condições de trabalho mais justas e dignas para os trabalhadores de plataformas digitais. Muitos estudos convergem para a mesma conclusão: a regulamentação é imprescindível. Contudo, enfrentamos resistências significativas, especialmente pelo forte lobby das plataformas representadas na “Bancada do Like”. Enquanto essa regulamentação não se concretiza, é nosso papel disseminar essa conscientização, optar por aplicativos com melhores pontuações, exigir transformações e, quando possível, contribuir com gorjetas em espécie, dado a falta de transparência das plataformas, não se sabe se 100% das gorjetas vão para os entregadores.